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As listas, os algoritmos e os espantalhos. Uma conversa com Patrícia Soares Martins

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Mais tarde, talvez façamos outra leitura do que significaram estes ensaios, como se em nós buscássemos o inimaginável, uma hipótese de romper com a cadência que nos leva a sentir que os dias se sucedem no sentido de uma constante subtracção. Talvez um dia as derivas que acumulámos possam permitir outra leitura, como um esforço que fizemos para nos mantermos num estado de perfeita disponibilidade de forma a que um tempo que sufocava entre impossibilidades por fim se oferecesse margem para romper com esta música desgastante que nos cerca e nos domina até ao enjoo. Nem há quem nos belisque, e é tão raro ouvir articulada com uma respiração nervosa e vibrante alguma conjugação de palavras que seja capaz de nos perturbar ou sacudir. Muitas vezes esbarramos com nós próprios, cumprimentamo-nos com menos que um aceno, um olhar que nos poupa àquelas palavras que, de tão circunstanciais, quase dão cabo de nós, e parece que estamos de volta a algum desses convívios cada vez mais desnecessários e onde temos dificuldade em saber quantos somos, e porquê este infeliz número, de tal modo que receamos estar a subdividirmo-nos... Não seremos meras réplicas, sequelas num enredo sem saída, e parece-nos que cada tipo aqui presente, chegando a sua vez, tem o cuidado de dizer apenas o que for mais previsível, de fazer unicamente os mais breves comentários banais e de aparentar ter aceitado aquele convite formal e passado porventura meio dia em viagem para vir dizer ou ouvir tão-só o que não seja de todo consequente. Nem sei se não li já isto algures. O Breton diz que, em matéria de revolta, nenhum de nós deveria precisar de antepassados. Mas este é o ponto que parece mais difícil, antes mesmo de as coisas de serem os acontecimentos a precipitarem-se, quando ainda parecia que estava ao nosso alcance desencadear alguma ruptura decisiva. Alguns, mais tarde, irão fantasiar-se nos seus relatos ao ponto de dizer que, por estes dias, viviam já como se retirados do mundo. Em breve irá emergir toda uma literatura de auto-exoneração, mas ser-nos-á difícil acompanhar essas inversões, a dizermos alguma coisa a seu respeito, se nos parecia que o objectivo de cada um deles foi nada dizer ou fazer que seja digno de nota. "A vida de algumas pessoas pode ser tão sucintamente resumida que não passa de uma porta que bate ou de alguém que tosse numa rua escura a meio da noite", notava Bradbury. "Olha-se pela janela, a rua está vazia. Quem quer que tenha tossido já desapareceu." A consciência parece ter-se tornado mais um dos aspectos do negócio. Fomos perdendo o chão, nós para quem essa foi a nossa primeira leitura. Foi com esse olhar perdido que aprendemos as primeiras letras. Era uma espécie de deficiência que nos defendia da coisa seguinte. Íamos, mas sempre como por acaso, como se por distracção ou empurrados. Talvez venha a ser possível fazer uma história dos diferentes caminhos que levam à literatura, desde logo uma história que passe bem longe do mercado. Uma narrativa sobre gente que se despenhou ou precisou desesperadamente virar-se para outras épocas, outros lugares. Mas uns anos mais tarde, quando viemos à superfície, éramos nós os grandes iletrados, não percebíamos patavina da realidade em que estávamos metidos. As filas continuam a avançar, continuam a não ter fim. Caminhamos na sonolência de mundos contrários, como diria o outro. Cada vez teríamos mais dificuldade em reconhecermo-nos mesmo se esbarrássemos contra nós próprios num destes ajuntamentos. Vamos sendo corpos sem eco, isto numa sociedade em que, há mínima perturbação, se é alvo de um processo, disciplinar ou não, e muitas vezes o pior é não ser clara a natureza. Até podem obrigar-nos a aguardar aqui ou ali enquanto nos martirizamos apenas para acabarmos o dia levando para casa a notícia de que fomos promovidos. Mas nem para nós é muito certo aquilo em que andamos metidos. É difícil chegar aos 35 ou aos 40 anos se se for demasiado directo, sem que isso se torne para nós um motivo constante de luta. Começamos a ser interrompidos e interrogados, e ficamos a dever explicações a meio mundo. Talvez, por isso, tantos se preservem na absoluta sensaboria dos ditos e expressões que não levam a coisa nenhuma. "Todo o bom raciocínio ofende", como notou Stendhal, sublinhado por Beauvoir, que prossegue a ideia, adiantando que, perante uma opinião peremptória, uma verdade definitiva, as pessoas amedrontam-se. "Tal é vaidoso, egoísta, mau, cúpido; enunciar-vos-ão com complacência os seus defeitos; mas se vós concluís: 'É um homem mau', o vosso interlocutor protesta: 'Eu não disse isso'; e acrescenta, talvez: 'Apesar de tudo, o fundo é bom'. Assim, o homem aceita ser pintado com pequenas pinceladas cruéis, mas, se o forçais a recuar para contemplar o seu retrato em corpo inteiro, fraqueja, não quer resumir, não quer concluir (...) repugna-lhe tomar partido: Deus sabe até que consequências poderia arrastá-lo uma lógica muito rigorosa; agrada-lhe ouvir-se falar, sentir-se pensar (...) mas com a condição de os seus pensamentos não o comprometerem, de permanecerem numa penumbra propícia. De facto, os homens não acreditam no que dizem, e é isso o que lhes permite saltar com desembaraço de um plano de verdade para outro"... E se acreditassem? Sem a busca de um alto grau de exigência as palavras são menos do que nada. Tornam-se uma das piores formas de sujeira. Algures, Blanchot anotava: "Todo o escritor que, pelo acto em si de escrever, não é conduzido a pensar: 'Eu sou a revolução'... na realidade, não escreveu nada." Neste episódio, e com o ruído azucrinante dos balanços de final de ano que logo se convertem em listas de sugestões para consumos natalícios, pudemos contar com a atenção e o exercício reflexivo de Patrícia Soares Martins que, depois de uma década como crítica literária nas páginas do Expresso, e um longo percurso a dar aulas na Faculdade de Letras, não perdeu o entusiasmo pelos textos e autores que persistem como grandes instigadores, mesmo se não esconde um certo desânimo num momento em que, mais do que se proibirem ou queimarem livros, o verdadeiro crime contra a literatura, e aquele contra o qual somos impotentes, é a não leitura dos livros. "Esse crime, uma pessoa paga-o com toda a sua vida; se o criminoso é uma nação, paga-o com a sua história", vincava Brodsky.

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Muitas vezes esbarramos com nós próprios, cumprimentamo-nos com menos que um aceno, um olhar que nos poupa àquelas palavras que, de tão circunstanciais, quase dão cabo de nós, e parece que estamos de volta a algum desses convívios cada vez mais desnecessários e onde temos dificuldade em saber quantos somos, e porquê este infeliz número, de tal modo que receamos estar a subdividirmo-nos... Não seremos meras réplicas, sequelas num enredo sem saída, e parece-nos que cada tipo aqui presente, chegando a sua vez, tem o cuidado de dizer apenas o que for mais previsível, de fazer unicamente os mais breves comentários banais e de aparentar ter aceitado aquele convite formal e passado porventura meio dia em viagem para vir dizer ou ouvir tão-só o que não seja de todo consequente. Nem sei se não li já isto algures. O Breton diz que, em matéria de revolta, nenhum de nós deveria precisar de antepassados. Mas este é o ponto que parece mais difícil, antes mesmo de as coisas de serem os acontecimentos a precipitarem-se, quando ainda parecia que estava ao nosso alcance desencadear alguma ruptura decisiva. Alguns, mais tarde, irão fantasiar-se nos seus relatos ao ponto de dizer que, por estes dias, viviam já como se retirados do mundo. Em breve irá emergir toda uma literatura de auto-exoneração, mas ser-nos-á difícil acompanhar essas inversões, a dizermos alguma coisa a seu respeito, se nos parecia que o objectivo de cada um deles foi nada dizer ou fazer que seja digno de nota. "A vida de algumas pessoas pode ser tão sucintamente resumida que não passa de uma porta que bate ou de alguém que tosse numa rua escura a meio da noite", notava Bradbury. "Olha-se pela janela, a rua está vazia. Quem quer que tenha tossido já desapareceu." A consciência parece ter-se tornado mais um dos aspectos do negócio. Fomos perdendo o chão, nós para quem essa foi a nossa primeira leitura. Foi com esse olhar perdido que aprendemos as primeiras letras. Era uma espécie de deficiência que nos defendia da coisa seguinte. Íamos, mas sempre como por acaso, como se por distracção ou empurrados. Talvez venha a ser possível fazer uma história dos diferentes caminhos que levam à literatura, desde logo uma história que passe bem longe do mercado. Uma narrativa sobre gente que se despenhou ou precisou desesperadamente virar-se para outras épocas, outros lugares. Mas uns anos mais tarde, quando viemos à superfície, éramos nós os grandes iletrados, não percebíamos patavina da realidade em que estávamos metidos. As filas continuam a avançar, continuam a não ter fim. Caminhamos na sonolência de mundos contrários, como diria o outro. Cada vez teríamos mais dificuldade em reconhecermo-nos mesmo se esbarrássemos contra nós próprios num destes ajuntamentos. Vamos sendo corpos sem eco, isto numa sociedade em que, há mínima perturbação, se é alvo de um processo, disciplinar ou não, e muitas vezes o pior é não ser clara a natureza. Até podem obrigar-nos a aguardar aqui ou ali enquanto nos martirizamos apenas para acabarmos o dia levando para casa a notícia de que fomos promovidos. Mas nem para nós é muito certo aquilo em que andamos metidos. É difícil chegar aos 35 ou aos 40 anos se se for demasiado directo, sem que isso se torne para nós um motivo constante de luta. Começamos a ser interrompidos e interrogados, e ficamos a dever explicações a meio mundo. Talvez, por isso, tantos se preservem na absoluta sensaboria dos ditos e expressões que não levam a coisa nenhuma. "Todo o bom raciocínio ofende", como notou Stendhal, sublinhado por Beauvoir, que prossegue a ideia, adiantando que, perante uma opinião peremptória, uma verdade definitiva, as pessoas amedrontam-se. "Tal é vaidoso, egoísta, mau, cúpido; enunciar-vos-ão com complacência os seus defeitos; mas se vós concluís: 'É um homem mau', o vosso interlocutor protesta: 'Eu não disse isso'; e acrescenta, talvez: 'Apesar de tudo, o fundo é bom'. Assim, o homem aceita ser pintado com pequenas pinceladas cruéis, mas, se o forçais a recuar para contemplar o seu retrato em corpo inteiro, fraqueja, não quer resumir, não quer concluir (...) repugna-lhe tomar partido: Deus sabe até que consequências poderia arrastá-lo uma lógica muito rigorosa; agrada-lhe ouvir-se falar, sentir-se pensar (...) mas com a condição de os seus pensamentos não o comprometerem, de permanecerem numa penumbra propícia. De facto, os homens não acreditam no que dizem, e é isso o que lhes permite saltar com desembaraço de um plano de verdade para outro"... E se acreditassem? Sem a busca de um alto grau de exigência as palavras são menos do que nada. Tornam-se uma das piores formas de sujeira. Algures, Blanchot anotava: "Todo o escritor que, pelo acto em si de escrever, não é conduzido a pensar: 'Eu sou a revolução'... na realidade, não escreveu nada." Neste episódio, e com o ruído azucrinante dos balanços de final de ano que logo se convertem em listas de sugestões para consumos natalícios, pudemos contar com a atenção e o exercício reflexivo de Patrícia Soares Martins que, depois de uma década como crítica literária nas páginas do Expresso, e um longo percurso a dar aulas na Faculdade de Letras, não perdeu o entusiasmo pelos textos e autores que persistem como grandes instigadores, mesmo se não esconde um certo desânimo num momento em que, mais do que se proibirem ou queimarem livros, o verdadeiro crime contra a literatura, e aquele contra o qual somos impotentes, é a não leitura dos livros. "Esse crime, uma pessoa paga-o com toda a sua vida; se o criminoso é uma nação, paga-o com a sua história", vincava Brodsky.

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